* Por Larissa Dias
Por mais que eu conheça os clássicos gregos, sempre me parece que eles são repletos de uma identidade transitória, como é, na verdade, a visão da mitologia mundial, na qual um novo olhar sempre terá um mundo novo a nos ensinar. Foi assim com “Orestes em Quadrinhos”, adaptado por Teresa Virgínia Ribeiro Barbosa e Piero Bagnariol (2021, Editora Peirópolis).
A história conta sobre Orestes, que é atormentado pelo crime cometido de matar a própria mãe, Climnestra, por ela ter traído e assassinado o seu pai. Electra, que ajudou o irmão na façanha do matricídio, se torna sua cúmplice também no tormento que as deusas Erínias lhes conferem, além de estar junto com o irmão à mercê do julgamento pelas leis dos homens.
Eurípedes, autor de algumas tragédias gregas, aqui foi contemplado de forma inovadora e muito benéfica: a arte de Piero traduz em imagens antigas e contemporâneas as cenas dolorosas e cruéis de uma forma única! Eu já havia visto uma adaptação das “Bacantes”, do mesmo autor Eurípedes, para o teatro, e José Celso Martinez fez exatamente o mesmo: misturou o antigo e o contemporâneo, de modo a trazer à tragédia antiga o sabor do presente, no qual vivemos. Essa estratégia nos torna capazes de entender as motivações de uma obra tão antiga no cenário atual, o que nos faz pensar: “Não estamos tão longe assim de tudo isso!”.
No meio da história podemos nos deparar com uma representação “chapolínea” de Electra, bem como a ousadia de Pílades em um visual punk, além da agilidade de pensamento que ele tem, aparecendo nas manobras dos skates. Mas o mais impressionante é o visual da Electra, moderno e ao mesmo tempo trazendo uma loucura antiga no olhar, de um feminino que anda nos limites de uma condição “partida” pelos ventos das eras.
Chamou muito a minha atenção as representações do teatro grego de arena (que no posfácio pude saber que foram propositais), que trouxeram uma atmosfera na qual os expectadores (nós, os leitores), pareciam estar lá, vivendo cada momento. A imagem do teatro grego aparece em momentos diferentes da obra e dá a entender que faz até mesmo o papel de juiz das cenas para cada um dos leitores. Mas talvez seja uma impressão que venha de meus conhecimentos sobre as arenas romanas…
Já a imagem de Tíndaro, o avô de Orestes e Electra e pai de Climnenestra, traz a própria imagem das raízes familiares em si, com uma espécie de árvore estampada nas veias fundas de sua testa, que agora está seca, símbolo de uma família destruída.
Quando a HQ chegou, eu obviamente parei todos os livros que estavam em andamento para lê-la, porque é essa a sensação que tenho com as HQs do Piero, uma urgência em lê-las. Não conhecia ainda o trabalho de Tereza e pude apenas me encantar com a sensibilidade desta dupla que apresenta a magnífica arte antiga de modo atual para os leitores.
Ainda digo mais: existe uma imensa dificuldade em adaptar obras clássicas e consagradas para uma linguagem específica, e, neste caso, mais acessível ao público em geral. Então deixo aqui meus parabéns a essa dupla incrível, pela ousadia, pelo brilhantismo e pela capacidade de trazer o ouro da arte para o nosso mundo!
* Larissa Dias é Psicoterapeuta e Orientadora profissional, escritora e mitóloga.