Pandemia da Covid-19: Livro "Sem Eles" resgata histórias de 12 jovens afetados pela perda


Entrevistamos os jornalistas Eduardo Ferrari e Vanessa Selicani, autores de "Sem Eles - O Luto Infantil Coletivo de uma Pandemia Oculta" para entender o processo da obra, que está sendo lançada. "Nosso objetivo também era dar rostos a esses números" Foto: Divulgação.

O mês de março de 2020, exatamente 5 anos atrás, ficou marcado por ser o início da pandemia de Covid-19, que somente no Brasil matou mais de 700 mil pessoas, de acordo com dados estimados do Ministério da Saúde. 

Estima-se que cerca de 200 mil crianças tenham ficado órfas e a história de 12 delas é contada em "Sem Eles - O Luto Infantil Coletivo de uma Pandemia Oculta", que acaba de ser lançado.

Para entender o processo de criação da obra, o CSC entrevistou os autores Eduardo Ferrari e Vanessa Selicanos, que também apontaram os desafios encontrados durante a pesquisa e construção do livro.

1) O que motivou vocês a escreverem a obra e como surgiu a ideia do projeto?

Eduardo Ferrari - Quando os números da pandemia ultrapassaram a meio milhão de mortos, começamos a pensar em como ficariam as famílias, principalmente crianças e adolescentes menores de idade, que perderam alguém. Foi quando descobrimos os números internacionais de órfãos feito pela London College, uma universidade da Inglaterra que tem mais de um século de atuação, que mostrava que além das mortes dramáticas havia um número enorme de pessoas que ficaria sem pais ou cuidadores. Eu pensava: - O que será da vida dessas pessoas “Sem Eles”? Daí ficou impossível trocar o nome do livro mesmo antes dele nascer. Nosso objetivo também era dar rostos a esses números. Números podem ser frios e distantes, mas quando materializamos isso em pessoas, personagens e fontes como se diz no jornalismo, isso aproxima a sociedade e os leitores para essa realidade. Era a pademia oculta, que ia durar a vida toda para milhares de brasileiros, e assim contar parte de suas histórias, mesmo que um pequeno pedaço, se tornou fundamental. Cinco anos depois ainda há uma dívida social para quem perdeu alguém para a Covid-19. Para sempre será a marca de nossa geração e o livro quis registrar isso.

2)  Como foi o processo de encontrar e selecionar as 12 histórias que compõem o livro?

Vanessa Selicani - Procuramos entidades envolvidas no tema e que ainda dão suporte para algumas famílias, como a Avico (Associação de Vítimas e Familiares da Covid-19), a Mães que Acolhem e a Coalizão pela Orfandade. Outra fonte que ajudou bastante foram reportagens da época. Queríamos um recorte de todo Brasil, então o processo foi um pouco mais trabalhoso. No começo, parecia difícil achar os órfãos, mas, infelizmente, é uma situação mais comum do que imaginamos.

3) Vocês encontraram alguma dificuldade para que as famílias compartilhassem suas experiências?

Vanessa Selicani - Tivemos algumas recusas. Tentamos dois jovens que tiveram de assumir a criação dos irmãos e que acabaram não topando. Acredito que muito por conta da dor ainda de relembrar o que se passou. Mas encontramos muitas famílias que viram o processo como fundamental para que as histórias dos entes queridos não sejam esquecidas. 

4) Durante a pesquisa para o livro, houve algo que mais surpreendeu vocês sobre o impacto da pandemia na vida dessas crianças?

Vanessa Selicani Me surpreendeu a exaustão dos que ficaram e quase uma impossibilidade de viver o luto. São tios e avós que tiveram de assumir a criação dessas crianças e que, apesar de todo o amor do mundo, precisaram de empregos e tempos extras pra dar conta da criação. E muitos já tinham uma rotina desgastante.  A tia que nunca quis filhos e agora cria a sobrinha adolescente. A avó aposentada que já morava na praia e precisou reaprender a ser mãe de criança. Os avós que viram a filha ser vítima de violência, o pai sumir após a morte e agora somam mais quatro crianças para cuidar em casa. A tia que já tinha filhos e precisa entender a complexidade da criação de uma menina com necessidades especiais. As famílias brasileiras já eram muito diferentes em sua composição quando a pandemia chegou. E vimos as desigualdades claras em cada história. Me chama a atenção também a invisibilidade do problema. A sociedade encara a orfandade pós COVID como de responsabilidade apenas das famílias.

5) O livro aborda diferentes contextos familiares. Houve algum padrão nas dificuldades enfrentadas por essas crianças e seus cuidadores?

Eduardo Ferrari - Independentemente da classe social, é nítida a mudança de comportamento da criança. Ela passa a ser mais tímida, fechada, triste e ansiosa. A ansiedade é muito forte no medo de perder quem ficou. Eles tiveram os pais tirados de forma muito abrupta. Familiares que saíram de casa com um resfriado e morreram em dias. É um pesadelo para essas crianças. No processo de pesquisa, encontramos muitos estudos que mostram impactos fortes do luto na infância, com jovens mais expostos a distúrbios comportamentais e a violências.

"Sem Eles” é uma produção do Ministério da Cultura e da Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais) desenvolvido com recursos da  Lei Federal de Incentivo à Cultura, com publicação da Literare Books International. O livro terá sessão de autógrafos com os autores no dia 31 de março, das 18h às 21h30, na Livraria da Vila do Shopping JK Iguatemi, na avenida Juscelino Kubitschek, 2041, loja 335/336 - Piso 2 - Itaim Bibi, São Paulo.

Serviço:

Livro: Sem Eles: O Luto Infantil Coletivo De Uma Pandemia Oculta

232 páginas

Editora: Literare Books

Autores: Eduardo Ferrari e Vanessa Selicani

Ilustrações: Clóvis Stocker

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